Desejo e Liberdade: como manejar as relações sem perder autonomia e sem ultrapassar limites do Outro
- Lucas Soares
- 8 de ago. de 2024
- 5 min de leitura

O Brasil é conhecido mundialmente pela sua festa mais marcante do ano: o carnaval. Seu teor irreverente e provocante divide opiniões, mas é inegável a relevância que a festa ganhou com o passar do tempo. Inicialmente, o carnaval era uma brincadeira popular, talvez para aliviar as pressões da rotina diária da população da antiga colônia portuguesa.
Embora o seu cerne pareça similar, hoje o Carnaval é uma festa altamente difundida e que movimenta, segundo Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mais de 8 bilhões de reais por ano. Por que uma festa como esta alcança essa magnitude? Eu me chamo Lucas Soares, sou psicólogo clínico e vou te falar sobre o lugar do Desejo na sociedade atual.
Sem dúvida, o Desejo humano sempre foi pauta de muita discussão, tanto no campo social e institucional, assim como na intimidade e no âmbito intrapsíquico. A preocupação com os nossos desejos se tornou tão exorbitante que houveram movimentos colossais para se cercear ou domar esses desejos. O monarca Luis XV juntamente ao Clero, disseminou uma interpretação do livro sagrado da fé predominante da época, onde o desejo sexual ganhou uma gravidade muito terrível, assim como foi pregado que o acúmulo de riqueza na Terra afastava as pessoas do Reino dos Céus.
Essas duas lógicas foram propagadas porque os líderes deste momento histórico, entendiam que a população estava se proliferando rápido demais e que era necessário um controle de natalidade, e também, era necessário aplacar a fúria dos movimentos sociais que começavam a se levantar por causa do sofrimento promovido pela pobreza que era gerada pelos abusos das autoridades quanto a cobrança de impostos. Não é nenhuma surpresa que limitar apenas 2 aspectos do desejo humano seria suficiente, até porque os desejos não vem de um lugar moralmente ajustado, mas podem conter em si uma inclinação maléfica. Em 1603, através do Rei Felipe II, nasce o primeiro Código Penal. Obviamente, outras formas de administrar o que era proibido foram feitas antes da constituição e divulgação do Livro V, reconhecido hoje como primeiro código penal.
Desta forma, entra-se em uma questão dicotômica sobre a relação com os Desejos. Seguí-los ou suprimí-los? Há quem viva uma filosofia onde seus desejos são uma bússola da vida ditando toda a sua trajetória. Há também aqueles que, oprimidos pelas constituições morais, dão pouquíssimo espaço para os seus anseios. Uma festa como o Carnaval se propõe a colocar essa dicotomia em xeque!
Nesta época do ano, adiciona-se uma flexibilidade que une os dois extremos desse dilema. Até as pessoas mais rígidas ganham uma chance de se soltar um pouco durante esta festa, seja arriscando um look provocante em um bloquinho de rua ou se atrevendo a passar 4 dias sem fazer absolutamente nada. O peso que uma moralidade impensada produz contra nossos desejos é ultra-limitante. Segundo Leontiev, pai da Teoria da Atividade, os desejos são tão norteadores que é impossível viver sem eles.
A criação de expectativas é tão central que até o movimentar-se fisicamente demanda a criação e suprimento de um desejo. Tudo que se pode conquistar, crescer, melhorar, nasce de um desejo. Quando estes ganham espaço para florescer, vê-se barreiras estupendas sendo quebradas por algo tão doce quanto um capricho. As limitações opressivas propostas há séculos estremecem diante do poder do desejo, de um beijo, de um batom vermelho, de um grito, de uma luta. Quando muitos querem algo poderoso acontece e o Carnaval vem validar e dar espaço àquilo que antes não passaria sem profunda repressão, dando a chance de explorar-se o que há a mais para se sentir, desejar e fazer com a vida.
Ao mesmo tempo, os Desejos também protagonizam histórias de terror da vida real. Trabalhando com psicoterapia voltada para casos de Violência, recebo vítimas e agressões, todos com sua história atravessada pela forma como se lida com os impulsos. No Carnaval, vê-se a violação de espaços e até de corpos, assim como de acordos entre casais e famílias. Se o desejo é tão mobilizador, por que ele produz o mal? Leontiev traz que os desejos são inerentes à vida humana, contudo, existe uma gestão deles feita pela consciência. Um desejo desgovernado jamais vai produzir algo saudável, é por isso que a regulação da consciência entra como instrumento do ‘bem’.
Nietzsche traz uma proposta diferente de observar essas ações em pólos, mas que a consciência é capaz de identificar o que é relevante para a vida, o que é saudável. Emocionalmente, não é nada fácil lidar com desejos e expectativas, há quem escolha deliberadamente mentir para si mesmo e propor-se a viver sem esses vetores, há quem se sufoque por eles enquanto os resistem ou cedem brutalmente aos seus caprichos. Independente da forma utilizada, como adultos, não há como fugir das responsabilidades e consequências trazidas pelas ações, seja qual for a sua motivação.
Por fim, você pode se encontrar ainda com uma dúvida mortal sobre o dilema trazido inicialmente: suprir ou reprimir o desejo? A resposta está bem diante dos seus olhos. O desejo não traz em si um valor vilanesco ou benfeitor, ele é uma ferramenta para ação, como traz Leontiev. Logo, uma ferramenta não pode ser responsabilizada por uma ação, mas o(s) autor(es) dela, sim. Atender ou não aos seus desejos é um impasse seu. Guiado pela sua consciência, será possível fazer uma escolha que você possa se orgulhar e, geralmente, combiná-la com as pessoas que serão afetadas por ela quase te garante uma estrela dourada.
O Desejo serve muito para que possa-se expandir os limites, e segundo Vygotsky, principal teórico da Psicologia Sócio-Histórica, reconhecer um limite definido e realocar seu desejo sem seguí-lo pelo bem proposto pela sua análise consciente, vai ratificar a coerência que você pode ter em si mesmo, em reconhecer seus limites e os limites alheios, respeitá-los e assegurar-se de que suas ações não estarão propostas para violar as suas fronteiras nem a de ninguém mais, esta é a sua proposta de uma verdadeira Liberdade.
Assim, fica em aberto um convite constante para observar seus desejos e expectativas e que sua consciência seja a motorista principal desta jornada, tendo como co-pilotos, todas as pessoas que estiverem ao seu redor. Neste carnaval, explore seus desejos, flexibilize seus conceitos enrijecidos por lógicas que você não instituiu mas que recebeu de outros sem ter muito tempo para analisá-las, descanse se necessário, troque experiências, carícias, beijos e abraços com quem fizer sentido para você. Ouça que de dentro virão possibilidades na multidão de alternativas para ações que se colocarão diante de ti durante toda a vida, em especial agora.
Certifique-se de que a sua consciência estará calibrada para o respeito dos seus limites e das fronteiras alheias e de que existe beleza nos seus anseios, eles podem ser sentidos, podem ser comunicados e sempre devem ser validados. Permita que suas vontades amplifiquem a sua experiência de vida, ampliem suas fronteiras e te conectem com o mundo como nunca antes. O desejo é uma inspiração descomunal e a consciência é uma artista diligente que tem potencial de ídolo.
Se você acredita que precisa entender mais sobre o manejo de relações e dos seus próprios limites, assim como os limites daqueles que você ama, faça contato!
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