Vilania Parental: como lidar com o mal provocado pelos pais
- Lucas Soares
- 8 de ago. de 2024
- 4 min de leitura

Estamos num momento interessante da investigação do nosso mundo interior e na compreensão dos nossos sistemas psicológicos. Inevitavelmente, essas investigações desembocam em vivências complexas que tivemos com os nossos pares principais (pai, mãe ou quaisquer outros adultos que fossem responsáveis pela nosso cuidado). Acredito que possamos afirmar que quase invariavelmente, todos temos vivências que nos deixam com faltas, lacunas no nosso desenvolvimento que geram sofrimento. Em alguns casos, esse contato entre os familiares ou a ausência desse contato, geram danos imensuráveis.
Meu objetivo com este texto é falar sobre como essas faltas e esses efeitos negativos podem ser compreendidos de forma mais complexa e portanto nos dar uma chance de lidar com eles de uma forma mais saudável. Considerando a perspectiva do sofrimento, fica bem difícil analisar o mal que nos foi feito, pois a dor que sentimos afeta a nossa capacidade analítica. Isso não significa que seja uma má afetação, apenas que a realidade tem mais camadas do que aparece geralmente quando nos expressamos classificando-as.
Por exemplo, geralmente, quando vejo alguém falar sobre como foi sua relação com seus pares principais e os danos provocados por estes, a classificação dos motivos reside em um processo de culpabilização desses cuidadores. Quando me refiro a culpabilização, falo sobre o lugar de entender os comportamentos desses cuidadores como sendo maligno, de má fé ou algo do tipo. Entendemos, principalmente por causa da dor, que aquela pessoa deveria ter feito diferente e que ela é culpada pelo mal que nos causou. O que faz muito sentido! Esta fala não vem com a intenção de inocentar ninguém, vem apenas para complexificar como entendemos o mal causado a nós.
No caso da negligência que é geralmente imputada a esses pais e cuidadores, me parece sempre que estes indivíduos, enquanto crianças e jovens, foram deixados de lado pelos cuidadores de forma deliberada. Obviamente, existem casos onde essa é a realidade, contudo, em alguns casos, a ausência de suporte financeiro, afetivo, emocional e psicológico se conecta a razões sociais e econômicas. Muitos desses cuidadores estavam cansados demais ao retornar para casa para ter um tempo de qualidade com seus filhos ou mesmo para trata-los com paciência visto que toda sua energia foi exaurida no trabalho. Isso não abre espaço para justificar o que fizeram, mas nos diz que esses comportamentos disfuncionais tem uma raiz e ela não reside na maldade desses pais e sim na falta de recursos para lidar com a suas realidades e com as dificuldades implicadas nela.
Veja o exemplo das Mães. Estamos num estouro da Mãe Narcisista, que nem é um quadro clínico real (vem de um outro diagnóstico que seria de Pessoa com Personalidade Narcisista, onde 75% dos acometidos são homens), porém é comumente imposto como quadro nosológico para muitas mães. Contudo, muitas vezes, ao ter contato com essas mães, vejo apenas que elas estavam sobrecarregadas demais para dar conta das necessidades emocionais dos seus filhos. Com uma jornada dupla ou mesmo tripla de trabalho, paciência e manejo cauteloso, são escassos e acabam por levar essa mulher para um lugar de estresse exponencial, resultando em ações violentas. Novamente, não vamos fechar os olhos para os problemas reais, mas apenas criticar o que entendemos da realidade a fim de conseguir compreendê-la em um nível mais profundo.
Sempre que atendo famílias no consultório, vejo como o lugar do trabalho costuma influenciar negativamente a dinâmica familiar e quase nunca essa má influência vem de uma posição deliberada de se trabalhar mais e se tornar ausente ou negligente, vêm de um movimento quase desesperador de conseguir suprir as necessidades básicas da família coo alimentação, estudo, segurança, moradia, etc. Reforço, estou aqui para trazer uma complexificação da realidade e não para diminuir problemas reais. Pensando nisso, entende-se que como nos relacionamos com as nossas memórias, é um fator mais importante do que o que realmente aconteceu. A própria definição de trauma não está modulada pelo acontecimento em si, mas em como o paciente significou aquela memória, como lida com ela até hoje.
Nessa perspectiva, uma compreensão complexa sobre o desenrolar e a formulação, origem e transmissão dos malefícios dentro de um sistema familiar, pode nos ajudar a reformular como interpretamos e como nos relacionamos com as nossas memórias. Dessa forma, seria possível sentir diferente. O passado está dado e não será possível muda-lo, mas como falei anteriormente, o ponto principal está em como lidamos com a realidade, como ela fica significada dentro nos nossos núcleos de sentido, na nossa mente. Isso sim não está dado e está sempre em constante transformação.
Vale a pena analisar que ferramentas estariam a sua disposição para tocar e se relacionar com as suas memórias de uma nova forma. A maneira como você vem fazendo isso agora, é suficiente para manter o seu sistema como ele está? Ou as coisas tem tomado proporções dolorosas ou mesmo alienantes com consequências que trazem ainda mais distanciamento entre os membros e mais dor psicológica? Obvio, você não precisa estar junto de todo mundo de novo, não precisa fazer nada que não esteja ao seu alcance, porém, vale a pena refletir como você quer que a sua memória influencie os caminhos que você traça hoje em dia. É possível fazer isso sem viver à mercê das dores do passado. Você tem coragem de olhar para a sua História com misericórdia através de uma compreensão complexa dos fatos?
Essa é uma discussão polêmica e ta tudo bem se você não estiver pronto para começá-la. Caso você precise tratar as dores provocadas pelos seus pais, faça contato!
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